segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Transformações

São 14:33, o sol está presente com intensidade de verão, embora no inverno. A belíssima música de Harold Budd & Clive Wright (pensive aphrodite) ilumina o caminho e constrói o clima que propicia a vida introspectiva.
Neste nosso mundo, uma de nossas percepções mais profundas e marcantes é a de que tudo tem um começo e um fim. 
É uma percepção que vai sendo construída ao longo de nossas vidas, conforme vamos prestando mais atenção aos acontecimentos ao nosso entorno e às pessoas de nossa convivência.
Ela vai aparecendo com força cada vez maior conforme a maturidade e a consciência das coisas sutis vai chegando.
Ela nos mostra a impermanência material, mas também, num outro nível, nos mostra a transformação de uma coisa em outra. 
Por que na natureza, aparentemente, nada desaparece, tudo muda constantemente e se transforma em algo diferente, que vai servir para algum propósito.

Assim, era uma vez um ser que habitava um mundo do qual muito gostava e no qual se sentia muito feliz, muito seguro, muito aconchegado.
Não havia nada neste mundo que o fizesse infeliz, insatisfeito, ansioso e, muito menos amedrontado. A temperatura era sempre amena, sua fome e sede sempre saciadas e ele era livre para ir e vir dentro de seus limites.
Era como se estivesse no paraíso, num lugar onde não havia nada para ameaça-lo, desafia-lo ou pressiona-lo.
Ele podia pensar, meditar, se movimentar e realizar à vontade. Podia ser plenamente o tempo todo. Vivia no presente naturalmente.
Se sentia confortável, aconchegado, acarinhado e amado sempre. Era um mundo (quase) perfeito. Mas ele tinha uma consciência, uma percepção das coisas e ela se aprofundava com o tempo. 

De repente, percebeu que existia, que estava ali há algum tempo e isso lhe deu a auto-consciência e a semente de uma dúvida.
Não sabia de onde tinha vindo nem para onde estava indo. Não sabia quanto tempo aquilo iria durar. Essas reflexões começaram a ganhar força e ele começou a se aprofundar nelas, a se preocupar. 
Não queria sair dali, queria ficar para sempre. Isso gerou uma certa apreensão, que se transformou em ansiedade e medo.

Começou a sentir movimentos e variações externas que não existiam antes. De repente, o ambiente começou a ficar "pequeno", estreito. Começou a incomodá-lo levemente.
O que é isso, pensou. Estava tudo tão bom! O que está acontecendo!? Eu não compreendo, estou me sentindo diferente, incomodado.
Começou a aparecer um sentimento de urgência no "ar", um sentimento de "algo prestes a acontecer".
Mas, mesmo com todos esses sentimentos e preocupações, quando conseguia ir mais fundo em seu ser, como costumava fazer antes, ele ainda percebia aquele entorno de carinho, de amor e de segurança. 
E isso lhe dava sempre uma sensação de alívio e de esperança de que "o que estava por acontecer era algo bom".

Após mais algum tempo, sensação que ele não tinha antes, percebeu que não era mais possível estar bem, ficar em seu ser, na plenitude. 
Os movimentos e variações das condições ambientais começaram a ficar muito extremas. Seu mundo, seu paraíso se tornou um Caos e não era possível mais permanecer. Era preciso mudar, buscar um outro lugar, uma nova morada, um outro refúgio, uma outra vida.
Sua apreensão aumentou bastante e percebeu claramente, intensamente, que algo grande e amedrontador estava "acontecendo".
Oh meu Deus, o que é isso!? Estou sendo empurrado, pressionado, sinto dor. Para onde estou indo, para onde!!? Quando isto vai parar.

Quando achou que não aguentava mais, sentiu todos os movimentos e pressões aumentaram e muito. Sentiu-se levado por alguma "força desconhecida"!!
Estava indo contra a vontade, mas ao mesmo tempo querendo. 
Percebeu então uma mudança na temperatura, para mais frio. Outra mudança na luz, uma luz muito forte começou a aparecer. Era o prenuncio da mudança, sentiu.
Após muita luta e esforço, sentiu-se saindo por uma "porta", uma abertura. Primeiro sua cabeça, depois seus ombros e braços e, então suas pernas. A dor era grande, os sentidos estavam totalmente em alerta.
Queria continuar a viver, seu instinto o ajudava.

De repente, sentiu-se apanhado e seguro. Por mãos como as suas, porém maiores.
Foi colocado em cima de algo grande e quente.
Percebeu que era bom, era aconchegante. Havia amor, mas de forma diferente. Sentiu-se abraçado, acarinhado e seguro.
Ficou um pouco mais tranquilo. Sabia que estava em um outro mundo. Que era diferente do seu, do qual já nem sentia mais falta.
Achava que poderia se dar bem ali também. mas precisava aprender novamente como sobreviver, como amar, como meditar, como ser pleno neste novo mundo.
Achava que teria ajuda daquelas mãos macias, delicadas e amorosas que o abraçavam.

Neste momento, sua passagem, sua transformação se completou e uma nova vida se iniciou neste nosso mundo impermanente, perigoso, desafiador e amoroso.

Amigos, que a paz profunda de seu interior possa ser alcançada em suas meditações.

Beijos fraternos e eternos.